quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Jornada Mundial da Juventude de Madri é Aclamada por Prêmio Nobel de Literatura

O prêmio Nobel da Literatura Mario Vargas Llosa considera que a Jornada Mundial da Juventude deste ano mostrou ao mundo uma Igreja Católica "forte" e cheia de "vitalidade". "Crentes e não crentes, todos temos de nos alegrar com o que aconteceu em Madri, onde durante alguns dias a existência de Deus não esteve em causa e o catolicismo pareceu ser a única e verdadeira religião", escreve o escritor peruano na edição de hoje do jornal "L'Osservatore Romano".

Premiado pela Academia Sueca das Ciências em 2010, Llosa entende que a unidade do cristianismo pode ser vital dentro do contexto atual de Espanha e das restantes sociedades democráticas. "Se não estiver apoiada em instituições profundamente marcadas pelos valores éticos, a democracia não poderá lutar eficazmente contra os seus inimigos", sublinha o autor, que dá como exemplo o apelo que a Igreja Católica faz a uma "vida rica em espiritualidade".

Segundo o autor, ela pode servir de "antídoto permanente" perante as "forças destrutivas que geralmente guiam o comportamento daqueles que se julgam acima de qualquer responsabilidade".

A 26.ª Jornada Mundial da Juventude decorreu entre 16 e 21 de agosto, na capital espanhola, sob o lema "Enraizados e edificados em Cristo, firmes na fé", contando com a presença do Papa Bento XVI nos últimos quatro dias.

Considerado como o maior evento juvenil da Igreja Católica, reuniu este ano mais de um milhão de peregrinos, entre os quais 14 mil brasileiros.

Leia o texto original (traduzido) do texto de Vargas Llossa:

Bonito espetáculo o de Madrid invadido por centenas de milhares de jovens procedentes dos cinco continentes para assistir à Jornada Mundial da Juventude a que Bento XVI presidiu e que converteu a capital espanhola vários dias numa multitudinária Torre de Babel. Todas as raças, línguas, culturas, tradições, se misturaram numa gigantesca festa de rapazes e moças adolescentes, estudantes, jovens profissionais vindos de todos os cantos do mundo, cantando, dançando, rezando e proclamando a sua adesão à Igreja católica e a sua "dependência" [no original castelhano"adicción"] ao Papa ("Somos adictos a Benedito" foi um dos slogans mais entoados).

Salvo o milhar de pessoas que, no aeródromo de Cuatro Vientos,desmaiaram por culpa do impiedoso calor e tiveram atendimento médico, não houve acidentes nem maiores problemas. Tudo decorreu em paz, alegria e simpático convívio. Os madrilenos encararam com desportivismo os incômodos causados pelas gigantescas concentrações que bloquearam a Cibeles, a Grã Via, Alcalá, Porta do Sol, Praça de Espanha, Praça do Oriente, e as pequenas manifestações de laicos, anarquistas, ateus e católicos insubmissos contra o Papa provocaram incidentes menores, embora alguns grotescos, como o grupo de energúmenos que foi visto a atirar preservativos a umas jovens que, animadas por aquilo a que Rúben Darío chamava "um cândido horror a Belzebú", rezavam o terço com os olhos fechados.

Há duas leituras possíveis deste acontecimento, que EL PAÍS chamou "a maior concentração de católicos na história da Espanha". A primeira vê nele um festival com mais superfície religiosa que profundidade, em que jovens de meio mundo aproveitaram a ocasião para viajar, fazer turismo, divertir-se, conhecer gente, viver alguma aventura, a experiência intensa, mas passageira de umas férias de verão. A segunda interpreta-a como um rotundo desmentido às previsões de uma retração do catolicismo no mundo de hoje, a demonstração de que a Igreja de Cristo mantém a sua pujança e a sua vitalidade, de que a barca de São Pedro contorna sem perigo as tempestades que a queiram afundar.

Uma destas tempestades tem como cenário a Espanha, onde Roma e o governo de Rodríguez Zapatero tiveram vários encontrões nos últimos anos e mantém uma relação tensa. Por isso, não é por acaso que Bento XVI veio já várias vezes ao país, e duas delas durante o pontificado. Porque o fato é que "Espanha católica" já não o é tanto como era. As estatísticas são muito eloqüentes. Em julho do ano passado, 80% dos espanhóis declarava-se católico; um ano depois, apenas 70%. Nos jovens, 51% dizem que são, mas só 12% afirmam praticar a sua religião de uma maneira conseqüente, enquanto os restantes fazem-nos apenas de uma maneira esporádica e social (casamentos, batizados, etc.). As críticas dos jovens crentes – praticantes ou não – à Igreja centram-se, sobretudo, na oposição que a Igreja faz ao uso de anticonceptivos e à pílula do dia seguinte, à ordenação de mulheres, ao aborto, à homossexualidade.

A minha impressão é que estes números não são manipulação, refletem uma realidade que, maior ou menor porcentagem, ultrapassa o âmbito espanhol e é sintoma do que acontece no catolicismo no resto do mundo. Ora bem, do meu ponto de vista este paulatino declínio do número de fiéis da Igreja católica, em vez de ser sintoma da sua inevitável ruína e extinção é, antes, fermento de vitalidade e energia que o que dela fica – dezenas de milhares de pessoas – veio demonstrando, sobretudo nos pontificados de João Paulo II e BentoXVI.

É difícil imaginar personalidades mais diferentes do que as dos últimos dois Papas. O anterior era um líder carismático, um animador de multidões, um orador extraordinário, um pontífice em que a emoção, a paixão, os sentimentos prevaleciam sobre a pura razão. O atual é um homem de idéias, um intelectual, alguém cujo espaço natural é a biblioteca, a sala de aulas da universidade, o auditório das conferências. A sua timidez diante das multidões aflora de modo invencível nessa maneira quase envergonhada e quase a pedir desculpa por ter de se dirigir às massas. Mas essa fragilidade é enganosa, pois se trata provavelmente do Papa mais culto e inteligente que a Igreja tem há muito tempo; um dos raros pontífices cujas encíclicas ou livros um agnóstico como eu pode ler sem bocejar (a sua breve autobiografia é fascinante, e os dois volumes sobre Jesus são mais que sugestivos). A sua trajetória é muito curiosa. Foi, na sua juventude, partidário da modernização da Igreja e colaborou com o reformista Concílio Vaticano II, convocado por JoãoXXIII.

Mas depois, deslocou-se para as posições mais conservadoras de João Paulo II, onde persevera até hoje. Provavelmente, a razão disso é a suspeita ou convicção de que, se continuasse a fazer as concessões que os fiéis, os pastores e os teólogos progressistas pediam, a Igreja acabaria por desintegrar-se por dentro, por se converter numa comunidade caótica, sem norte, por causa das lutas intestinas e as querelas sectárias. O sonho dos católicos progressistas de fazer da Igreja uma instituição democrática é isso mesmo, nada mais: um sonho. Nenhuma igreja poderia sê-lo sem renunciar a si mesma e desaparecer. Em qualquer caso, prescindindo do contexto teológico, atendendo unicamente à sua dimensão social e política, a verdade é que, ainda que perca fiéis e encolha, o catolicismo está hoje em dia mais unido, ativo e aguerrido do que nos anos em que parecia a ponto de desgarrar-se e dividir-se pelas lutas ideológicas internas.

Isto é bom ou mau para a cultura da liberdade? Enquanto o Estado for laico e mantiver a sua independência face a todas as igrejas, que deve, claro está, respeitar e permitir que atuem livremente, é bom, porque uma sociedade democrática não pode combater eficazmente os seus inimigos – começando pela corrupção – se as suas insti-tuições não estiverem firmemente apoiadas por valores éticos, se uma vida espiritual rica não floresce no seu seio como um antídoto permanente contra as forças destruido-ras, desagregantes e anárquicas que costumam guiar a conduta individual quando o ser humano se sente livre de toda a responsabilidade.

Durante muito tempo acreditou-se que com o avanço dos conhecimentos e da cultura democrática, a religião, essa forma elevada de superstição, ir-se-ia desfazendo, e que a ciência e a cultura a substituiriam com vantagem. Agora sabemos que essa era outra superstição que a realidade se encarregou de fazer em cacos. E sabemos, também, que aquela função que os livres-pensadores novecentistas, com tanta generosidade quanta ingenuidade, atribuíam à cultura, esta é incapaz de cumprir, sobretudo agora. Porque, no nosso tempo, a cultura deixou de ser essa resposta séria e profunda para as grandes perguntas do ser humano sobre a vida, a morte, o destino, a história, que no passado tentou ser; e transformou-se, por um lado, num divertimento ligeiro e inconseqüente, e, por outro, numa cabala de especialistas incompreensíveis e arrogantes, confinados em fortalezas de gírias e palavras crípticas e anos-luz do comum dos mortais.

A cultura não conseguiu revezar a religião nem conseguirá, exceto para peque-nas minorias, marginais ao grande público. A maioria dos seres humanos só encontra aquelas respostas, ou, pelo menos, a sensação de que existe uma ordem superior a que pertence e que dá sentido e sossego ao existir, através de uma transcendência que nem a filosofia, nem a literatura, nem a ciência, conseguiram justificar racionalmente. E, por mais que tantos brilhantíssimos intelectuais procurem convencer-nos de que o ateísmo é a única conseqüência lógica e racional do conhecimento e da experiência acumuladas pela história da civilização, a idéia da extinção definitiva continuará a ser intolerável pelo ser humano comum e corrente, que continuará a encontrar na fé aquela esperança de uma sobrevivência mais além da morte a que nunca pôde renunciar. Enquanto não tomar o poder político e o poder político saiba preservar a sua independência e neutralidade diante dela, a religião não só é lícita como é indispensável numa sociedade democrática.

Crentes e não crentes devemos alegrar-nos, por isso, com o que aconteceu em Madrid nestes dias em que Deus parecia existir, o catolicismo parecia ser a religião única e verdadeira, e todos como rapazes bons caminhávamos mão dada com o Santo Padre em direção ao reino dos céus.

Fonte: L'Osservatore Romano

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