quinta-feira, 23 de junho de 2011

A Sede de Jesus e a Samaritana

         
“Foi assim que Ele chegou a uma cidade da Samaria chamada Sicar, não longe da terra dada por Jacó a seu filho José, lá mesmo onde se acha a fonte de Jacó. Cansado da viagem, Jesus estava assim sentado junto à fonte. Era mais ou menos a sexta hora. Chega uma mulher da Samaria para tirar água; Jesus lhe disse: “Dá-me de beber”. Os seus discípulos, com efeito, tinham ido à cidade comprar o que comer. Mas esta mulher, esta Samaritana, lhe disse: “Como? Tu, um judeu, me pedes de beber a mim, uma mulher samaritana?” Os judeus, com efeito, não querem ter nada em comum com os samaritanos. Jesus lhe respondeu: “Se conhecesses o dom de Deus, e quem é aquele que te diz: ‘Dá-me de beber’, tu é que lhe pedirias e ele te daria água viva” (Jo 4,5-10).

Estranha sede, a de Jesus diante do poço de Jacó! Quem pode compreender hoje que Deus Filho, o mesmo que transformou água em vinho necessitasse pedir a alguém que lhe desse de beber?

 Em seu escrito espiritual intitulado “Trago-vos o amor”, Madre Teresa de Calcutá apresenta-nos uma chave para penetrarmos neste mistério:

 “O mesmo Deus que declarara não ter necessidade de nos dizer que tem fome, não se priva de mendigar um pouco de água à Samaritana. Tinha sede, mas ao dizer ‘Dá-me de beber’, Ele, o Criador do universo pedia o amor de sua criatura” (Ed. Loyola, S. Paulo, 1981, pp. 87-88).

 O mundo tem sua origem em Deus e sua finalidade em Deus, que vive uma eterna Comunidade de Amor: entre o Pai o Filho e o Espírito Santo circula o amor que deu origem a todas as coisas, e, em especial, a nós, criaturas humanas. Dentre todas as obras da criação somos as únicas criaturas criadas diretamente para Ele, que criou o mundo para nós; mas nós fomos criados para Ele. Fomos criados para estar sempre unidos a Deus e crescer nesta união até chegarmos à sua plenitude.

Entretanto, o pecado surgiu como primeiro obstáculo a este maravilhoso desígnio de Deus para o homem. O pecado é, desde o início, a origem da ruptura brutal entre nós e Deus.

Esta ruptura aconteceu não por vontade de Deus, mas por vontade da própria criatura, de uma decisão de sua liberdade. Instigada pelo Demônio, a criatura humana rejeitou seu Criador na ilusão de gerir sua própria vida de modo independente dele. A partir de então, a história humana com Deus passou a ser uma história de encontros e desencontros, procura de Deus por nós e escondimento de nossa parte.

Narram as Escrituras que quando o primeiro homem pecou, escondeu-se de Deus, que o chamou: ‘Onde estás?’ e ele respondeu: ‘Ouvi tua voz no jardim, tive medo porque estava nu, e me escondi.’(Gn 3,9-10).
         Esta narrativa do Livro do Gênesis, colocada logo após o pecado original, deixa transparecer que Deus nos busca desde o início. As Escrituras são o belíssimo testemunho escrito desta busca de Deus por nós: Desde que o primeiro homem se escondeu dele, assim como chamou Adão, Ele nos chama. Chamou Abrão, chamou Isaac, chamou Jacó, chamou José, chamou Moisés, os juízes, os reis, os profetas, chamou a mim e a você e das mais diversas formas continua a nos buscar, porque tem sede de fazer retornar a criatura humana à união com Ele.
       Deus sempre buscou a criatura humana, Deus sempre nos buscou. Deus nos buscou ainda quando nem havíamos ouvido falar dele, ou quando mesmo tendo ouvido éramos ainda inteiramente indiferentes ao seu amor. Deus nos busca quando pecamos e cada vez que nos desviamos de sua vontade amorosa, como filhos pródigos que deixam a casa do Pai em busca de nossos próprios caminhos, em busca de “sermos como deuses” (cf. Gn 3,5).
Deus nos busca quando estamos acomodados na nossa fé, indiferentes ao seu chamado de nos comprometermos sempre mais com Ele. Deus nos busca quando estamos alegres para se alegrar conosco e também quando estamos tristes para unindo nossa dor à dele tornar o nosso fardo mais leve.
 Deus nos busca das mais diversas formas, porque tem sede de resgatar-nos, de salvar-nos, de fazer-nos plenamente felizes. Ele tem sede de que sejamos libertos das seqüelas do pecado e curados das feridas que os vícios nos causam. Ele tem sede de que nos tornemos, nele, fortes contra toda tentação, e cheguemos a ser santos, porque Ele tem sede nós!
         O pecado foi derrotado por Cristo na Cruz, de modo que pelo Batismo somos feitos livres dele e aparelhados com a Graça para que nossa união com Deus seja restaurada, mas permanecemos livres e podemos recair nele se usamos mal nossa liberdade. As nossa más escolhas nos levam freqüentemente a nos esconder de Deus e por isso Ele nos busca. Este que é o acontecimento mais freqüente na história da nossa conversão pode se repetir durante toda a nossa vida, porque Deus não desiste de nós.
     O inimigo de Deus nos tenta de todas as formas para que ignoremos ou desconfiemos disto. A uns Ele tenta na imaginação, afetividade e memória para que duvidem de que Deus existe, ou que, se existe é indiferente a nós. A outros tenta para fazer pensar que Deus não nos ama, mas quer nos escravizar nos fazendo marionetes suas, escravos seus. Isto não é verdade. Tanto que Ele enviou a nós seu Filho único para nos fazer, não servos, mas amigos seus. Jesus disse isto pouco antes de entregar sua vida por nós: “Já não vos chamo servos, mas amigos”(cf. Jo 15,15).
          Para combater tudo isto, precisamos freqüentemente deixar-nos encontrar por Ele, deixar que a luz da sua presença nos leve a reconhecer o que, de fato nos escraviza e deixar que Ele nos arranque de nossas escravidões, para que sejamos livres e verdadeiramente felizes.
          Foi isto o que aconteceu com a mulher samaritana. Da forma mais estranha, ela foi encontrada por Jesus e aceitou dialogar com Ele. Jesus se aproximou de uma mulher samaritana, o que era coisa absurda para um judeu, num momento aparentemente impróprio e numa situação aparentemente imprópria, para pedir-lhe de beber.
       Algo semelhante pode estar acontecendo comigo e com você neste momento. Deus pode estar se chegando a nós através da situação aparentemente mais imprópria, porque nos quer, porque anseia por nós independentemente do que sejamos, possuamos ou tenhamos feito. Por isto nos busca para lançar luz sobre nossa vida e nos fazer enxergar o que é bom e o que é mau para nós, porque isto só Ele sabe e pode nos dizer.
Ao encontrar Jesus, pouco a pouco a mulher samaritana foi compreendendo que se Ele tinha sede da água que ela podia oferecer, ela tinha sede da água que dura para sempre e desta água somente Ele tinha para lhe oferecer: “Dá-me desta água para que eu não venha mais a este poço tirá-la”.
Então tudo adquiriu sua verdadeira dimensão: seus falsos amores perderam todo o valor diante daquele que conhecia tudo sobre ela, e lhe oferecia o amor como uma fonte que jorra para a vida eterna.
Nesta Palavra vimos o encontro de duas sedes, a sede de Deus pelo amor da sua criatura, e a sede da criatura pelo infinito amor de Deus! Jesus veio unir em si estas duas sedes, e se por Ele nos deixamos encontrar, dele nos tornamos adoradores em espírito e em verdade, ambas serão saciadas.
Todos os dias temos oportunidade de encontrar o Senhor diante do “poço”: podemos encontrá-lo nos sacramentos, especialmente na reconciliação e na Eucaristia; podemos encontrá-lo na sua Palavra; no encontro com seus ministros, os sacerdotes; na oração pessoal íntima com Ele; na oração em comum com nossos irmãos; numa palavra sábia dita por alguém que está disposto em Deus, a nos ajudar, e o faz segundo a Palavra de Deus e o ensinamento da Igreja. E há também uma situação especial, na qual podemos encontrá-lo, quando em Deus, nos dispomos a servir aqueles que Ele coloca em nosso caminho como necessitados de ajuda. Essas pessoas ou situações, as quais aparentemente só damos sem receber, podem ser hoje aqueles canais de muita graça, que o Senhor usa para saciar-se de nós e nos saciar dele.
Deixemos-nos encontrar com Jesus, de coração aberto para que sejam saciadas a nossa e a sede dele, e então o mundo conhecerá que Ele está vivo e é o único Senhor! 
Falando à samaritana, dissestes: “Quem beber da água que eu der, jamais terá sede”. Oh! Como são reais e verdadeiras estas palavras pronunciadas por vós. Verdade eterna! Sim, quem bebe daquela água, já não terá sede de coisa alguma terrena, mais ficará muito mais sequioso das coisas do céu. É um tormento de que mal se pode fazer idéia pela sede natural, neste mundo. Com que ansiedade, Senhor, desejo esta sede, pois seu alto valor me fazeis compreender! (cf. Caminho 19,2)

Ana Carla Bessa
Comunidade Católica Shalom

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