sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A Fé Faz Bem à Saúde?

A capacidade inata de procurar a explicação de um fenômeno é uma das diferenças entre o ser humano e outros animais. O homem primitivo não tinha como entender eventos mais complexos, como a erupção de um vulcão, um eclipse ou um raio. A busca de explicações sobrenaturais pode ser considerada natural. Mas por que ela desembocou na fé e no surgimento das religiões? Cientistas de diferentes áreas se debruçaram sobre a questão nos últimos anos e chegaram a conclusões surpreendentes. Não só a fé parece estar programada em nosso cérebro, como teria benefícios para a saúde.
tercoCom sua intuição genial, Charles Darwin, criador da teoria da evolução há 150 anos, já havia registrado idéia semelhante no livro A descendência do homem, em 1871: “Uma crença em agentes espirituais onipresentes parece ser universal”. “Somos predispostos biologicamente a ter crenças, entre elas a religiosa”, diz Jordan Grafman, chefe do departamento de neurociência cognitiva do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame. Grafman é o autor de uma das pesquisas mais recentes sobre o tema, publicada neste mês na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.
Em seu estudo, Grafman analisou o cérebro de 40 pessoas – religiosas e não religiosas – enquanto liam frases que confirmavam ou confrontavam a crença em Deus. Usando imagens de ressonância magnética funcional – que mede a oxigenação do cérebro –, o neurocientista descobriu que as partes ativadas durante a leitura de frases relacionadas à fé eram quase as mesmas usadas para entender as emoções e as intenções de outras pessoas. Isso quer dizer, segundo Grafman, que a capacidade de crer em um ser ou ordem superior possivelmente surgiu ao mesmo tempo que a habilidade de prever o comportamento de outra pessoa – fundamental para a sobrevivência da espécie e a formação da sociedade. E para estabelecer relações de causa e efeito. A interferência de um ser muito poderoso seria uma explicação eficiente para aplacar a necessidade de entender o que não se consegue explicar com o conhecimento comum.
Mas o que levaria o ser humano, dotado de razão, a acreditar que um velhinho de barba branca, em cima de uma nuvem, atira raios sobre a Terra? Ou que 72 virgens aguardam os fiéis no Paraíso? “Tendemos a atribuir características humanas às coisas, inclusive ao ser divino”, diz Andrew Newberg, neurocientista da Universidade da Pensilvânia , autor de outro importante estudo sobre o poder da meditação e da oração. “A crença religiosa surgiu como um efeito colateral da maneira como nossa mente é organizada, da maneira como ela funciona naturalmente”, diz Justin Barrett, antropólogo e professor da Universidade de Oxford.
Para Barrett, autor do livro Why would anyone believe in God? (“Por que alguém acreditaria em Deus?”), há evidências de que os sistemas religiosos ajudam a manter comunidades unidas – a dividir, a confiar, a construir redes sociais mais fortes. Barrett afirma que a mente das crianças é um exemplo de como a fé se manifesta precocemente. Em uma das experiências, pesquisadores mostraram uma caixa de biscoitos às crianças e perguntaram a elas o que havia dentro. Como não são bobas, as crianças responderam: “Biscoitos”. Ao abrir a caixa, o que encontravam eram pedras. Então, os cientistas perguntaram às mesmas crianças o que suas mães achariam que havia dentro da lata e o que Deus diria se visse a lata. As crianças de 3 anos disseram que as mães, assim como Deus, diriam que havia pedras. A partir dos 5 anos, elas responderam que a mãe diria “biscoitos”, mas que Deus responderia “pedras”.
Já se chegou a pensar que uma espécie de curto-circuito na parte lateral do cérebro pudesse gerar casos de religiosidade extrema. Ficou famosa uma experiência do neurocientista americano Michael Persinger, batizada “O Capacete de Deus”: um capacete que estimulava eletricamente o cérebro do usuário. Segundo Persinger, oito em cada dez pessoas, qualquer que fosse a confissão religiosa, diziam experimentar um “sentimento religioso” ao vestir o aparato. Mas a maioria dos estudos científicos recentes – sejam eles baseados em imagens do cérebro ou no comportamento humano – afastou a hipótese de que a experiência religiosa seja o mero efeito de estímulos eletromagnéticos em uma parte específica do cérebro. O biólogo evolucionista pop e “ateu militante” Richard Dawkins chegou a usar o capacete para um documentário da BBC britânica. Não conseguiu “encontrar Deus” – só desconforto para respirar e mexer-se. Hoje, Persinger se defende das críticas a seu estudo. “A ‘estimulação religiosa’ reduz a ansiedade e pode ser útil para melhorar a cooperação social”, disse.
Newberg, que estuda as manifestações cerebrais da fé há pelo menos 15 anos, descobriu que as práticas religiosas acionam, entre outras regiões do cérebro, os lobos frontais, responsáveis pela capacidade de concentração, e os parietais, que nos dão a consciência de nós mesmos e do mundo. Em seu novo livro, How God changes the brain (“Como Deus muda seu cérebro”), que será lançado nesta semana nos Estados Unidos, Newberg explora os efeitos da fé sobre o cérebro e a vida das pessoas. Segundo o neurocientista, os estudos anteriores olhavam para os efeitos de curto prazo de práticas como a meditação e a oração. Agora, ele e seu grupo encararam a difícil tarefa de responder à questão: o que acontecerá se você adotar, com frequência, uma prática como a meditação ou a prece?
Andrew Newberg – “O cérebro dos ateus é diferente”
O neurocientista fala sobre seu livro Como Deus muda seu cérebro
ÉPOCA – Como Deus pode mudar a estrutura cerebral das pessoas?
Andrew Newberg –
 Os nossos estudos usando imagens do cérebro mostram que, no longo prazo, há alterações no lobo frontal (relacionado à memória e à regulação das emoções) e no sistema límbico (ligado às emoções). As pessoas tendem a conseguir controlar mais suas emoções e expressá-las. A meditação e a oração ajudam a melhorar a relação consigo mesmo e com os outros. Também especulamos que essas práticas alteram, inclusive, a química cerebral, como os níveis de serotonina e dopamina, que regulam nosso humor, nossa memória e o funcionamento geral de nosso corpo, mas ainda não temos provas disso.
ÉPOCA – Em seu livro, o senhor fala bastante da meditação, uma prática tradicionalmente ligada às religiões orientais. Existe alguma diferença entre, por exemplo, o catolicismo e o budismo?
Newberg – 
Não olhamos exatamente para as diferenças entre as religiões, mas para as diferentes práticas. A forma como você pratica a religião é mais importante que as ideias religiosas em si.
ÉPOCA – Há um consenso entre os cientistas de que a fé pode ajudar na manutenção da saúde?
Newberg – 
Muitos cientistas acreditam que a espiritualidade tem um papel na saúde. A pergunta é quem vai administrar isso e como os profissionais de saúde vão lidar com a espiritualidade de uma maneira apropriada e benéfica. Essas questões ainda não foram respondidas.
ÉPOCA – Há alguma diferença neurológica entre aqueles que creem e os que não creem em Deus?
Newberg – 
Encontramos algumas diferenças, sim, e também notamos diferenças dependendo do tipo de prática religiosa. O problema é que nunca sabemos se aquelas mudanças estão lá porque a pessoa é religiosa há muito tempo ou se ela nasceu daquela maneira e, por causa disso, procurou um tipo de religião ou meditação.
Letícia Sorg
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI64864-15224,00-A+FE+QUE+FAZ+BEM+A+SAUDE.html

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