“Oitenta porcento do que o Papa Francisco diz são experiências vividas: quando o escuto muitas vezes posso relacionar suas palavras com situações concretas. Não é um teórico; é um homem prático. E sabe aprender do santo Povo de Deus”. O padre Guillermo Ortiz, jesuíta argentino, que trabalha na Rádio Vaticano, teve-o como reitor e diretor espiritual. Recorda que no Colégio Máximo falava de espiritualidade e da própria vida de fé alimentando os porcos. Falou com Vatican Insider sobre as experiências que viveu com o então reitor Bergoglio, e explicou porque é tão importante para ele a devoção popular.
Padre Ortiz, qual foi, até agora, o momento mais importante da viagem ao México?
Creio que a oração diante da imagem de N. Sra. de Guadalupe. É importantíssima a devoção do Papa por Maria. É preciso ler e reler os discursos dos primeiros dois dias: nos textos e nas palavras de Francisco reconhece-se a grande importância da fé popular, a importância do povo.
No Catecismo encontra-se a infalibilidade papal sobre temas de fé e de moral, mas recorda-se pouco que também no Catecismo está a infalibilidade do Povo de Deus em sua maneira de expressar sua fé.
Falando com os bispos do México, em 13 de fevereiro, o Papa fez uma espécie de movimento pendular, como o da ecografia. Descreveu a Virgem e depois falou sobre o povo, com o cordão umbilical da religiosidade popular. Convidou os bispos para se inclinarem sobre o regaço da fé do povo. A Virgem que é o regaço do Filho de Deus e do santo povo fiel de Deus.
O Papa “aprende” da fé das pessoas?
Ele o disse antes da viagem ao México; disse que vinha para aprender. O Papa é um filho da Virgem, mas também é um filho do Povo de Deus. Ele sabe que Deus age no povo, conhece o “sensus fidei” do povo, o povo pobre que não tem nada.
Na homilia da missa na Basílica de Guadalupe Francisco citou um hino litúrgico: “Olhar-te, Mãe, contemplar-te apenas, o coração silencioso em tua ternura, no teu casto silêncio de açucenas”. É um texto que é muito importante para o Papa. Encontra-se no Breviário. Ele o fotocopiou e recortou para distribuí-lo, dando-me uma cópia como conselho espiritual, como oração: simplesmente estar juntos, contemplando o olhar de Maria, colocando diante dela o que temos no coração.
Desde quando conhece Bergoglio?
Sou argentino, de Córdoba. Encontrei-o na minha cidade em julho de 1977. Eu tinha 17 anos e queria tornar-me jesuíta. Fui falar com ele, porque ele era o provincial, ou seja, o superior dos jesuítas na Argentina. Disse-lhe: “Quero ser jesuíta”. Ele me ouviu. É muito importante escutar para ele. E depois me disse: “Está bem. Vamos ver se dentro de seis meses tens ainda esta ideia”.
Cheguei ao Colégio Máximo em 1981. Ele, enquanto isso, foi nomeado reitor, depois de seu mandato como provincial. Desde o primeiro dia do noviciado eu trabalhava no bairro e ele quis que se transformasse uma construção que servia de depósito para animais em uma paróquia. Fizemos uma igreja. Convidou-me para trabalhar na rua e me acompanhou de perto.
Como era como reitor o padre Bergoglio? É verdade que os acostumava aos trabalhos mais humildes?
Sim, é verdade. Mas não se pode fazer de outra maneira. Havia trabalhado muito pelas vocações, havia muitos estudantes e não tínhamos como nos sustentar, não tinha bolsas. Não tínhamos dinheiro para a comida. Assim, Bergoglio comprou algumas vacas, porcos, ovelhas, e durante os primeiros anos tivemos que cuidar do gado. E depois a carne… ela exalava até pelas orelhas. Nós tínhamos que cuidar destes animais, e alguns eram um pouco “delicadinhos” e não gostavam disso.
Eu limpava os porcos, isto é, o mesmo trabalho que o filho pródigo fez antes de voltar para a casa do pai. Bergoglio nos dava o exemplo. Se estivéssemos falando sobre o meu caminho espiritual, e depois chegava a hora de colocar a lavadora, íamos juntos e ele colocava toda a roupa íntima na enorme máquina. A ele cabia colocar a roupa suja, depois nós a estendíamos. Ele mesmo ia dar de comer aos porcos. E quando o fazia, às vezes seguia acompanhando algum de nós sobre a espiritualidade. Ele não fazia nenhuma diferença entre a teoria e a prática. Foi exigente conosco, mas nós tínhamos que ser postos à prova. Tínhamos que aprender com sacrifício. Isto também é formação.
Era uma maneira para estar mais presente na realidade das pessoas comuns?
Recordo que em seus discursos de formação sempre repetia que para nós, que fazemos o voto de pobreza, isto tinha que significar também trabalhar. Dizia: a pobreza é trabalho. Um pobre tem que trabalhar e esforçar-se.
Nós, no Colégio Máximo, estávamos a 60 quilômetros de Buenos Aires: a população viajava duas horas para chegar à capital e depois outras duas para voltar, e é preciso somar a isso outras 8, 10, 14 horas de trabalho. Trabalhar e esforçar-se ajudava no sentido da realidade e te permitia tocar as chagas das pessoas. É um sentido da realidade, este, que é um dom de Deus. Não é um discurso que tens que meter na cabeça.
Uma vez, no Colégio Máximo, veio uma mulher que estava com frio e estava buscando uma coberta. Dissemo-lhe que não tínhamos. E a mulher disse a Bergoglio: “Então, dá-me a tua”. Ele foi buscar a sua e lhe deu. Esta mulher, dizia, lhe havia ensinado que devemos compartilhar e dar do que se tem, não o que sobra.
Recorda algum outro episódio?
Eu estive com ele até dezembro de 1984. Depois fui para o Colégio El Salvador em Buenos Aires. E quando ele terminou o seu período como reitor, em dezembro de 1985, sem ter já nenhum cargo, foi viver no mesmo colégio que eu: já não era formador ou meu superior. Vivíamos no mesmo andar, estávamos a algumas portas de distância e no meio havia um banheiro comum.
Eu saía cedinho da manhã para ensinar e voltava já tarde da noite. Uma vez esqueci alguns papéis no meu quarto e voltei por outra porta, pela dos fundos. A essa hora não havia ninguém. E vi Bergoglio enquanto estava limpando o vaso sanitário, ajoelhado.
Recordo as atenções que reservava aos padres mais idosos, como os escutava… Ele é um homem para os demais, não se refere a si mesmo. Oitenta porcento do que o Papa diz são experiências vividas: quando o escuto muitas vezes posso relacionar suas palavras com situações concretas. Não é um teórico; é um homem prático.
Fonte: Aletéia
Fonte: Aletéia
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